O Teste

Capitulo IV
***

Tentando esquecer a sensação estranha que eu estava sentindo ao pensar no soldado Jyann. Selei “Rocyfer” e cavalguei de volta até a beira do mar. Poucas vezes eu estive tão perto do mar por precaução. Cavalguei bastante tempo pela orla marítima até que apeei para descansar minha montaria, tirei a sela e o deixei livre pela areia que beirava a floresta. Deitei-me na areia observando a vaidosa lua e fui vencida pelo cansaço e pelo sono. Quando despertei o sol já se fazia presente e havia alguns humanos em volta de mim, olhando-me como se vissem uma aparição. Um senhor disse para alguém que parecia sua consorte: 

- Veja querida! Eu disse a voce que as sereias existem! Veja como ela está vestida. Nenhuma moça se veste assim no reino.

- Voce tem razão meu bem! Mas ela tem pernas. Como é possível.

- Não sei! Talvez por ter dormido fora da água.

Eu não estava entendendo nada... Levantei, peguei meu manto com capuz me cobri e assoviei para minha montaria. Alguns minutos depois ele apareceu, eu o selei, montei e saímos em disparada rente ao mar, eu não podia tomar o caminho do casebre do Jyann ali diante dos humanos... Quando cheguei ao esconderijo, Jyann estava lá apreensivo sem saber onde eu estava. Quando me viu chegar e apear de “Rocyfer” ainda em movimento, correu ao meu encontro e ralhou comigo! Eu contei a ele sobre o que fiz durante a noite, sobre os humanos que me viram e sobre o que falaram. Ele me disse: 

- Surya! Voce precisa tomar cuidado, menina! Vestida assim quase despida e com uma beleza tão exótica, claro que te confundiriam com um ser sobrenatural. Voce podia correr perigo, estava desarmada. Nunca saia desarmada. 

Eu enfiei a mão no cano da bota e mostrei a ele minha faca e punhal. Jyann disse-me que minhas pequenas armas não eram páreos para lanças e espadas. Eu não queria discutir, estava curiosa e assustada lembrando de tantos humanos me rodeando com olhares surpresos e perguntei. 

= O que é siréia Jyann?

- Pelo que voce me contou que disseram, eles falavam sobre a rainha das águas. E não é Siréia. É Sereia. Um ser fantástico metade humana e metade peixe. Elas moram no fundo do mar. Dizem que também existem nos rios. 

= Não existe isso Jyann! Ela seria uma quimera se fosse desse jeito. 
Mas eu entendo sobre o que voce fala. São os “Paanee Nikaayon” é o mesmo que dizer (corpos d’água). Eles são desse jeito, não são metades de cada coisa. Isso é ilusão para voces que não entendem a natureza.

- Tudo bem Surya! Mas não saia mais assim.

= Jyann me ouça! Não vim aqui para ficar escondida.

- Eu sei! Mas espera eu dizer que pode, por favor? Estou averiguando tudo para liberar voce. Sem contar que, se Pellor descobre que tem mais um no seu caminho tudo estará perdido, porque ele é capaz de arrumar um jeito de matar voce e seu irmão. 

= Deixa de exagero!

- Para voce é tudo natural. Oras! Venha fazer o desjejum trouxe café da manhã para voce.

= Café?

- É a maneira de me referir ao desjejum. Venha tem bolo, leite de cabra, pão sem fermento e frutas.

Eu agradeci e devorei tudo. Desde que sai da minha floresta me alimentei apenas de pão elfo e folhas. Jyann me olhava impressionado me deixando corada. Ele me disse que eu tinha “muita classe”. Depois me contou sobre os humanos que vi no litoral. Contou-me com muito entusiasmo que se tratava do Senhor Irvan um amigo do Rei Áureo. Ele possuía um moderníssimo estabelecimento que oferecia pousada e tinha um aspecto encantador aos visitantes. Um ponto de descanso. Seria nesse local que se daria a reunião mencionada pela Elfa Negra Aurora. Onde os senhores do exército se reuniam para decidirem novas estratégias. 

Naquela manhã o sol havia despontado lançando chispas. Jyann me levou por um caminho onde o denso arvoredo descia rápido, continuando em brusco declive até um riacho que cortava o mar separando um braço de água salgada. As águas do riacho rolavam frescas em alegres borbulhar, depois de andar alguns metros nós encontramos a Elfa Negra Aurora sobre uma pedra dando repetidos golpezinhos na água com um ramo. Foi uma grande surpresa para mim, ao contrário de Jyann que que estava sob o efeito de uma grande emoção, mesclada a uma perturbação. E por culpa disso mal se atrevia a olhar-me como se estivesse me traindo. Fiquei em silêncio esperando o desfecho daquele embaraço. Após um suspiro que foi a minha forma involuntária de linguagem para expressar minha surpresa. A Elfa perguntou?

*- Voce contou a ela para que veio?

- Não Majestade! Nem eu mesmo sei direito para o que vim! Voce apenas me pediu que eu a trouxesse sem alarde.

*_ Voce avisou a Tertolo o que eu pedi?

- Sim Majestade!

*- Para de me chamar de Majestade Voce ganhou o direito de ser intimo a mim. Voce e a divindade Surya.
= Não me sinto bem em ser chamada “divindade” Elfa! Vamos todos nos chamar pelo nome concordam?

*- Por mim está bom! Agora preciso que voce vista isso.

Aurora falou atirando um pacote sobre mim. Eu abri desconfiada... No pacote havia uma calça de couro, uma jaqueta pesada, ombreiras, cinturão largo, luvas, braceletes e botas de couro crú. Eu olhei espantada para ela e perguntei:

= Porque vou me vestir como um macho?

*- Não será propriamente como um macho, mas como um soldado. Isso é uma farda.

= Como sabe que vai caber em mim?

*- Vista logo e para de falar demais! Estamos atrasados.

Eu me calei. Despi-me de minhas vestes... Foi muito engraçado, porque Jyann tampou o rosto com as duas mãos e se virou de costas. Eu perguntei por que fez aquilo? E ele disse que era porque eu estava me despindo. Eu retruquei enquanto me vestia:

= Humanos! Acho que nunca vou entendê-los! Eu só estou me despindo.

Terminei de me vestir... Era como uma prisão! Eu me sentia rígida como um palmito. Aurora disse com algumas coisas na mão:

*- Venha até aqui! Ainda não acabamos.

Cheguei para junto dela, ela me virou de costas, juntou minhas lãs todas em um rabo bem no alto, e prendeu, a seguir me deu um elmo que cobria só a cabeça, e tinha uma cavidade por onde passavam minhas lãs. Quando eu estava pronta ela disse:

*- Vamos! Precisamos nos apressar. 

Jyann quis saber para onde? - ela respondeu:

*- Vamos até meu amigo Tertolo! Vou apresentar a ele seu novo soldado.


- O quê? Nada disso!

= Por que não? Eu gostei da ideia! Vamos sim. Estou pronta.

Diante da discórdia do Jyann partimos para o encontro com meu contratante, o procurador do Rei e amigo da Aurora. Chagando lá fui levada a presença do senhor Tertolo que me olhou de olhos arregalados e disse:

- Dessa vez minha amiga Aurora abusou! Voce é apenas uma criança! Quais armas voce usa criança? Quais suas aptidões?

= Sou exímia arqueira e espadachim.

- Vamos até o alvo e voce vai me mostrar o quanto é boa com arco e flecha para almejar servir ao nosso Rei.

= Quando quiser senhor!

O Senhor Tertolo me levou até os fundos da bela casa de descanso, onde havia vários alvos para os estrategistas praticarem. E me disse que eu iria competir com o melhor arqueiro dele! Simplesmente por que me intitulei como “Exímia arqueira” quando eu disse quais eram minhas aptidões. Então eu deveria mostrar isso.  O arqueiro chefe do exército que respondia pelo nome Draven. Apanhou o arco e seguiu para a marcação. Com desenvoltura mirou, esticou a corda e quando soltou a mesma, a flecha passou em alta velocidade atingindo o centro do alvo. Eu pensei: 

= “Preciso fazer melhor que isso... Mas como se ele acertou o alvo”?

Foi quando me veio a ideia: Assim que Draven voltou para o ponto de partida e deixou o arco. Encaminhei-me para o arco que me foi indicado. Senti um pouco de temor, porque não era o “meu arco”! O meu companheiro predileto, mas não deixei que percebessem. Quando cheguei diante do arco já estava calma. Eu confiava em mim! Pedi ao capitão que me desse duas flechas. O Arqueiro Draven sorriu dizendo:

- Ela já vai para o ponto de tiro ao alvo sem confiar nela. Levou duas flechas para um segundo tiro. É justo! Competindo comigo!

Não me importei com a provocação: posicionei-me com a linha demarcadora entre meus dois pés, com uma abertura de pernas equivalente a largura de meus ombros. Coloquei uma das flechas no cinto. Dividi o peso do corpo igualmente nas duas pernas. Fiquei reta e confortável, com ambos os pés paralelos a linha de tiro. Os olhares estavam todos em mim. Eu podia jurar que estavam apostando. Segurei o arco perpendicular ao solo, e com a mão da corda deslizei a flecha pelo apoio e encaixei a rabeira na corda. Coloquei o dedo indicador acima da flecha, e o médio e anelar abaixo formando um gancho, e abraçando a corda entre a primeira e segunda falange. Com os dedos devidamente colocados na corda eu puxei levemente para sentir a empunhadura encaixada entre o polegar e o indicador da mão do arco. 

Percebi que murmuravam ao ver a posição das minhas mãos, porque a posição da mão que eu segurava o arco, ficava entre o polegar e o indicador e o reto do polegar na linha central do arco. 
Sem apertar o arco. Depois que eu puxei a corda abri a mão e relaxei os dedos. Durante a puxada a pressão ficou em cima do músculo do polegar, alinhado com meu punho e meu braço, com o cuidado de deixar os dedos afastados da rabeira para não tocar na minha mão na hora do dispara e alterar o curso do tiro. Minha mão estava totalmente relaxada. Olhei fixamente para o centro do alvo e comecei a levantar o arco até que a mira ficou um pouco acima dele. O braço da corda fazia quarenta e cinco graus com a horizontal, meu corpo ereto e a cabeça na posição do tiro. Comecei a puxar a corda levemente a tensão colocou definitivamente o arco em contato com meu Eu. Continuei puxando firme , constante, abaixando o braço do arco para que ao efetuar a ancoragem o arco estivesse posicionado com a mira do alvo. Puxei forçando os músculos das costas e movendo a omoplata. Nesse momento a mira estava sobre o alvo, não exatamente no centro, mas ao redor dele. 

Eu sou canhota, mas posso atirar certeiramente com a direita. Porque a confusão e embaraço só se dá quando se é destro e tenta com a esquerda. 

Eu estava despojada de qualquer pensamento. Não ouvia nem sentia nada ao meu redor que não fosse o alvo. Estava envolvida totalmente no tiro. Tudo isso foi feito em fração de segundos. Era o ponto crucial. A decisão de soltar a flecha. Mentalizei que a flecha deveria passar em linha reta através dos meus dedos. Puxei a corda até ela tocar a ponta do meu nariz e a minha mão tocar o meu queixo. Alinhei a corda no arco e soltei a corda. Mantive a postura e a posição olhando para frente. Inspirando e enchendo os pulmões sem tirar os olhos do alvo, sem levantar o queixo. Relaxando a mente até a flecha acerta o centro do alvo. Abaixei o braço para relaxar a musculatura em seguida pequei a outra flecha e fiz o mesmo processo... E acertei entre a abertura da rabeira da flecha que estava fincada no alvo partindo a flecha no meio e acertando o alvo. 

Todos gritaram e os soldados que estavam na casa de descanso me levantaram nos braços. 
O Arqueiro Draven me parabenizou e disse que eu tinha sido o primeiro soldado a vencê-lo e naquele momento mesmo, me elegeram frentista do pelotão dos arqueiros. 


Soldados mortais em batalha em solo. Além de participar das guerras também tínhamos a incumbência de cuidar da vida do Rei e sua família.

Eu "Surya Olhos de Lince" agora era um soldado do Rei!

Sem comentários:

Enviar um comentário