Espírito da Natureza


Capitulo X
***


"Rocyfer" continuou em disparada até me levar a um rio que eu não conhecia, um rio de águas límpidas e mornas, protegido por colunas de arrecifes, que garantiam a tranquilidade para que eu cuidasse do ferimento... A flecha aprofundou-se na minha coxa, não perfurando meu fêmur por um triz. Pela dor que eu estava sentindo percebi que a ponta era bem larga e com bifurcação avantajada... Para não dilacerar meus nervos eu precisei empurrar a flecha com cuidado para que a ponta aflorasse na outra extremidade da minha coxa. Segurei no corpo da flecha e arriei para que a ponta aflorasse o mais perto da cútis... A dor era imensa, mas eu consegui ver a ponta de flecha surgindo! Depois que consegui aflorar a cabeça da flecha por inteiro, quebrei-a rente a minha coxa e puxei pela ponta para sair do outro lado com menos estrago. Lavei bem o ferimento por dentro enfiando o dedo, depois coloquei o elixir que usei nos soldados, ainda tinha sobrado um pouco que eu guardei na minha bolsa de algodão cru que carrego a tiracolo. Deitei-me um pouco para recobrar as forças, apenas meia hora. Eu não podia deixar meu exército sem seu comandante. A seguir cuidei dos hematomas feitos pela Dríade Jax e coloquei uma atadura no ferimento feito pela flecha. Coloquei o pedaço da flecha que tirei da minha coxa no meu alforje sobre "Rocyfer" e voltei para o acampamento. 

Chegando lá estava tudo calmo! Os soldados que foram medicados já estavam bem melhores! Jyann e Hesmar haviam cuidado das bandagens. Cumprimentei-os e sentei no canto onde ficava a mesa improvisada, com mapas e outros apetrechos dos estrategistas, apanhei meu bloco para fazer anotações quando um soldado chegou ao meu lado...

- Olá comandante! O que me conta de novo? Suas manobras estratégicas foram formidáveis, sem contar que és até cirurgiã. A cirurgia do Capitão ficou ótima. Eu sou Adonis dos lanceiros.

Eu não estava para conversa! Tinha sido quase morta por meu meio-irmão e não queria contar para ninguém sobre o acontecido, muito menos falar de qualquer outra coisa. O soldado insistiu:

- Não se importa se eu me sentar ao seu lado não é? Não vou atrapalhar suas anotações.

= Eu não estou aqui para fazer amigos soldados!

Respondi rapidamente ficando “azeda”! Esse era meu “modo operante” para aproximações não solicitadas de estranhos, desde que eu era uma cria. Mas tudo que consegui do soldado com meu “azedume” foi ele franzir os cenhos um tanto confuso.

- Ah não está? Mas somos uma equipe.

= Uma equipe de xeretas?

Ele riu deixando a mostra seus dentes tortos, eu me perguntava como ele podia rir? Habilidade que a maioria dos soldados em campo de batalha perdia nas primeiras semanas. O soldado se jogou no banco ao meu lado todo desengonçado... E perguntou para puxar assunto:

- Tem muito tempo na farda?

O tal do Adonis cheirava como se há dias não se banhasse, entretanto, eu não me dei ao trabalho de recuar, Certos limites não eram necessários quando se estava em um pelotão e em campo de batalha, além do mais, eu própria não deveria estar cheirando flores aquela altura. Ele aguardava a resposta me olhando curioso com seu rosto espinhento em expectativa. Eu respondi:

= Não soldado! Como poderia? Tenho apenas dezoito anos.

- Ah! Sei como é!

Retrucou o soldado não parecendo surpreso com a minha resposta e continuou a falar. Deixei o olhar vagar para fora da tenda medica, desinteressada na conversa dele, haviam soldados sentados em toras em uns cinco cantos diferentes. Ofuscada pela luz profusa que entrava na cabana era impossível ver suas feições. Mas eu senti uma espécie de familiaridade por um deles, que parado olhava na minha direção. O soldado levantou e eu percebi que não era a luz que não me deixava identificar suas feições... A pele dele era retorcida... Parecia derretida,... Queimada... Senti um desconforto, uma reviravolta no estômago como um alerta. O Soldado olhava diretamente para mim... Eu podia jurar que havia surpresa nos olhos dele... Um frio brotou na base da minha espinha, se espalhando pelos meus músculos. Meu corpo ficou dormente, começou pelas pernas indo até o cérebro. Uma voz interna gritava:

“= Fuja Surya! Corra saia do alcance desse homem”!

Não importava o que a voz queria que eu fizesse, eu não conseguia me mover... Ele começou a atravessar o espaço que nos separava com passos arrastados e em linha reta na minha direção... 
Seu olhar era homicida! A única coisa que era reconhecível naquele ser com o rosto retorcido e descarnado, era seus olhos azuis. Quando estava a mais ou menos um metro de distância ele balbuciou algo parecendo um gorjeio: Não sei se era minha imaginação, mas eu podia sentir cheiro da carne queimada... Ele disse:

- “Sunna”! “Rainha Sol”!

O gorjeio era condizente com a monstruosidade que se apresentava nele! Com certeza devido o fogo que lhe desfigurou e destorceu também suas cordas vocais.

- Que surpresa inesperada encontra-la aqui!

Eu me levantei do banco rápido com a impressão de ter exagerado na minha concepção do soldado. Ele disse com candura.

- Eu só quero agradecer por tudo que voce fez por mim! Por acreditar em mim! Por ter sido tão boa comigo mesmo não tendo motivos para...

= Soldado!

Eu o interrompi! E ele parou confuso vendo minha necessidade em que ele não continuasse o que estava dizendo. Eu continuei:

= Não me agradeça nada e não me conte coisas que talvez eu não deva saber. Eu não sou “Sunna” Muito menos a “Rainha Sol” Embora fosse uma honra essa comparação. Sou a comandante Surya dos arqueiros. E não tem nenhuma divindade em minha pessoa..

O soldado me olhou surpreso! Ele sentiu que eu dizia a verdade. “Bateu continência” se identificou e se retirou. Depois que ele saiu eu respirei aliviada e pensando:

“= porque tenho essa impressão que o conheço? Porque eu senti medo Não é do meu feitio temer. Sou precavida, mas não temo”!

Eu gostaria de saber mais sobre o que ele estava dizendo, mas eu poderia coloca-lo em uma situação constrangedora. Quando olhei ao meu lado o soldado Adonis não estava mais, com certeza se aborreceu e pensou que fiz pouco caso dele. Embora eu não estivesse interessada em conversar. Eu realmente me desliguei dele durante o encontro com o soldado Oliver.

Meu Rei se aproximou e colocou a mão no ombro e disse:

~* Dever cumprido não é Pequena?

A seguir tocou em minha testa e disse:

~* O que há com voce? Está queimando em febre! Venha deitar-se.

= Não Senhor! Sinto que em breve teremos que lutar.

~* Deve ser a febre! Não tem como saber isso.

Ele nem imaginava como meus sentidos eram apurados. Foram dezoito anos entre os elfos, vivendo como eles. Eu podia sentir o tremor da terra. Pedi que os soldados recolhessem o acampamento o mais rápido possível, contra a vontade de meu Rei que achava que fosse pela febre aquele levantamento. Os soldados sabiam que eu não falava sem ter certeza, me atenderam bem rápido. Em meia hora estavam prontos para “zarpar”. Precisávamos sair daquele ponto para que não descobrissem nosso acampamento. 
Estávamos caminhando pela floresta para averiguar o perímetro, e eu me adiantei, por ser rastreadora eu dava o aval do caminho. Estava passando por trás de uma árvore quando de repente, minha cabeça quase virou cento e oitenta graus, com um soco... E sem me dar tempo de respirar, minha cabeça voou para o outro lado com mais um soco. Eu berrei de dor e raiva e vi dois humanos com vestimentas que não eram fardas, um deles se adiantou para me atacar novamente, e eu devolvi o golpe acertando o joelho na virilha dele. Enquanto ele se abaixou grunhindo de dor o outro humano me deu um pontapé na barriga... Cambaleei para trás contendo um gorjeio de dor... Aprumei-me e limpei o sangue que escorreu da minha boca com as costas da mão direita enquanto tentava consertar o folego que me fugiu com o chute na barriga. O humano que me chutou riu e falou:

- Olha só, a comandante é durona! Mas duvido que consiga se livrar com vida dos mercenários de “Corsin”as terras sem lei de “Atêmi”.

Erradamente eles me avisaram, então, fiquei atenta, pois sabia que mercenários não dão a mínima para honra. Eles lutam sujo e com as armas que encontrarem mais perto. A honra deles estavam nas bolsas cheias de ouro e um contrato para capturar ou matar alguém. Eu me preparei para um novo golpe, mas não podia pegar minhas espadas, porque eles estavam lutando mano a mano. O mercenário que ganhou minha joelhada se recuperou e partiu para cima de mim, me jogou no chão desferindo muitos socos que eu não desviei. Porque a minha fonte de força era a minha ira. Minha cabeça estava latejando e minha fúria estava acima dos limites! Juntei os joelho, levantei-os de maneira que bateu na nuca do Mercenário que estava em cima de mim jogando-o para frente com a surpresa, a seguir, me levantei o suficiente para acertar o comparsa dele que veio ajudar, com uma rasteira, e no mesmo golpe usei um meio giro, me esticando um pouco para usar a força do giro e acertar um soco cruzado por baixo do queixo do que estava me socando. Ele caiu para trás quase inconsciente. Completamente ereta e com muita ira ainda, fui na direção do comparsa que levou a rasteira e estava se levantando do chão, olhando para mim com o olhar de pânico, porque eu tinha pego minha espada com a mão esquerda e estava girando o punho, enquanto estalava os dedos da mão direita e perguntei:

= O que prefere um soco ou a morte?

Nisso olhei para o lado, e vi que o mercenário nocauteado estava se recobrando e enfiando a mão na bota. Eu falei:

= Desculpa não vou poder esperar!

E chutei o rosto do que estava na minha frente com toda força! Ele caiu para trás, fui até ele e enfiei o salto da minha bota na fronte dele, em seguida ele estremeceu e ficou imóvel! No momento que o outro atirou a faca que me pegaria certeira, mas eu joguei o corpo para trás bem rápido, escorando o o peso com a mão direita no chão, ao mesmo tempo em que atirei minha “Tej” com a mão esquerda indo se alojar até metade no peito dele. O mercenário permaneceu de pé com os olhos arregalados e depois tombou para frente, acabando de enfiar toda minha “Tej” no peito. Virei-o de lado com o pé e retirei minha espada, limpei na roupa dele e embainhei. Quando olhei para frente o pelotão que me seguia de longe, estava parado em silêncio olhando aquela cena. 

Ninguém disse nada! Todo exército conhecia a fama que conquistei a base de muito sangue e muitas cabeças cortadas! Sabiam que eu era cruel e implacável nas batalhas. Mas amiga e carinhosa fora dela. (Sem contar minhas respostas na ponta da língua quando me aborreciam)... Mas isso era relevante! Eu dei alguns passos e desfaleci... Jyann correu pegou-me nos braços e me levou até um local afastado do caminho que fazíamos para ver onde eu estava ferida, ele pensou que tivesse sido os mercenários a me ferir. Hesmar despiu-me da farda e procurou nas costas, abdome, no peito, na cabeça e não encontrou nenhum ferimento. Eles olharam-se interrogativamente sem entender o que havia acontecido. Draven disse para me levarem para enfermaria na tenda, porque aquela febre era sinal de que algo estava errado comigo. Que ele ficaria com os dois pelotões.

Hesmar separou alguns soldados para acompanhá-los. Fizeram uma padiola e me levaram para "tenda". Chegando lá Hesmar pediu a Diana o Sargento imediato do Capitão Draven que me despisse e esfriasse meu corpo com toalhas molhadas. Ao me despir, Diana encontrou o ferimento feito por Pellor... Quando retirou as bandagens ela gritou:

- Majestade! A Comandante tem um ferimento em estado perigoso! A pele em volta do ferimento está escura. 

Eles ficaram apavorados. Não sabiam o que havia acontecido comigo. Hesmar administrou sulfa para tentar controlar a infecção... Estavam com medo de que o tétano chegasse até a corrente sanguínea. De repente Hesmar falou:

~* cuidem dela, por favor! Eu preciso buscar alguém, peço que não se alarmem com a pessoa que vou trazer. Somente essa pessoa poderá salvar a comandante.

- Faça o que for preciso! Mas salve-a, por favor, Majestade! Ela não pode morrer sem conseguir realizar o que veio fazer em “Anatólia”.

~* O que ela veio fazer soldado?

- Majestade me perdoa! Mas isso não é hora! Se ela se salvar te prometo que ela mesma irá contar.

Hesmar olhou severamente para Jyann em seguida saiu... Antes que saísse Jyann falou:

- Majestade leva “Rocyfer”!

~* Por quê soldado? Eu tenho meu cavalo!

- Majestade diga a ele o que quer fazer que o cavalo te levará pelo caminho mais curto. Confia em mim.

Novamente Hesmar olhou severamente para Jyann. Mas aquela não era hora para desconfiança. Quando o Rei chegou na porta “Rocyfer” já estava esperando e batendo as patas dianteira como se estivesse pedindo rapidez. Hesmar colocou sua espada no sinto e montou “Rocyfer” que continuou batendo as patas dianteiras. Jyann falou.

- Diga a ele Majestade! Diga aonde tem que ir.

Hesmar olhou para os lados, e meio sem jeito se abaixou até o pescoço da montaria e falou algo. “Rocyfer” disparou levando o Rei que quase caiu para trás devido à velocidade.

- Que os “Grandes Espíritos” que guarda essa Elfa auxiliem o meu Rei!

Jyann falou baixinho enquanto olhava apreensivo para Diana lutando com a minha febre. Os soldados que nos seguiram até a “Tenda” estava todos preocupados. Eles estavam acostumados com meu “Azedume” e minhas manhas! Já gostavam de mim. A espera era insuportável, porque as horas passavam arrastadas Naquela tarde silenciosa! O sol poente talvez sabendo que a sua filha estava agonizante derramou uma luminosidade espetacular antes que a escuridão encobrisse o céu. Maravilhosas nuances se estendiam no horizonte com raios alaranjados. Ainda estava muito quente e o mormaço castigava a “tenda” de lona. E mesmo o relógio anunciando que logo seriam dezenove horas, o suor descia pelo rosto e pescoço dos meus soldados enquanto esperavam ansiosos... O coração do Jyann estava acelerado e era impossível controlar os seus tiques de ansiedade, ( os dentes serrados, o pé direito batendo no chão e uma mão massageando a outra) Era um daqueles momentos que se alguém lhe fizesse qualquer pergunta ele responderia com um silêncio mórbido.

- "Será que ela vai morrer? Claro que não! Ela é filha da Deusa! Mas se tiver que morrer para ser divindade. Pra com isso Jyann tá pensando um monte de besteira ela vai ficar bem"...

As perguntas e as afirmativas corriam pela cabeça do meu melhor amigo de forma inquietante, enquanto a ansiedade avançava mais a cada pensamento. Adonis o soldado que eu ignorei pôs a mão dentro da farda e retirou uma latinha com uma bebida alcoólica e deu a Jyann dizendo!

- É muito forte, mas ajuda com a ansiedade.

Jyann abriu a tampinha de rosca deu vários goles e depois dividiu com os outros que também estavam com crises de ansiedade, mas não o deixaram sozinho. Jyann foi até a porta da “tenda”... Nada... Ninguém... Quando ele estava voltando para junto de mim viu se materializando ao meu lado uma fêmea com a pele de cor verde... Um corpo escultural... Garras enormes e cabelos de samambaia. 
O efeito que esse espírito da natureza causou nos presentes, foi algo parecido a uma continua movimentação, como se estivessem dentro da água. Eles não pensavam em nada aturdidos pela força áurica do Espírito. Ela se enraizou no chão da “Tenda” e de suas samambaias brotaram cipós que se enrolaram em meu corpo que ela retirou o lençol jogando-o longe. Em instantes eu estava totalmente envolta em um casulo... E o espirito da natureza era uma bela árvore de porte médio, plantada no meio da “tenda”, seus galhos retiraram o teto da tenta deixando entrar os primeiros raios da lua cheia do verão de “Anatólia” Após estar totalmente no casulo e o espirito da natureza ter-se tornado uma árvore, para me suprir de energias. Os soldados saíram do transe... Jyann correu para junto de mim tentando me livrar do casulo... Nesse momento Hesmar chegou saltando de “Rocyfer” e entrou rápido na “Tenda”. Segurou Jyann por trás e disse.

~* Afastem-se todos! Deixem a Hera trabalhar....

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