O Corcel Élfico

Capitulo II

***

Estranhamente a floresta estava em silêncio... O único som que eu podia ouvir eram os das patas fortes de “Rocyfer” em disparada... Não era normal que houvesse silêncio na floresta  se não tivesse algo perigoso. A luz do luar iluminava nosso caminho, a velocidade de “Rocyfer” era tão grande que parecia flutuar. Nossas respirações estavam sincronizadas, em perfeita harmonia. Segurei firme nas rédeas porque percebi que íamos atravessar um rio. Antes que atravessássemos meus sentidos aguçados pelo treinamento me fizeram sentir que alguém estava cavalgando a alguns metros de nós, e parecia em nosso encalço... Eu ainda não podia ver meus perseguidores, mas os sentia nitidamente.
Assim que acabamos de atravessar o rio notei que iríamos entrar em uma floresta que eu não conhecia. Entretanto tudo que se passava em minha mente era continuar fugindo, e aquela me parecia uma boa rota de fuga, mesmo não sabendo para onde estava indo eu confiava em “Rocyfer”. 

Continuei cavalgando por aquela floresta desconhecida que a cada passo modificava-se, ficava muito escura enquanto nos embrenhávamos entre aquelas árvores frondosas. Em um dado momento olhei para trás tentando reconhecer meus perseguidores que nem com a velocidade de “Rocyfer” ficavam muito distante de nós... Eram cavaleiros com armaduras... Eu nunca tinha visto cavaleiros com armaduras que não fossem elfos. Virei para frente novamente, mas foi tarde demais... Um galho baixo bateu na minha testa me derrubando de “Rocyfer” que continuou em disparada. Eu não podia crer que escolhi adentrar uma floresta desconhecida por nada... Eu havia insistido tanto com meu pai para ir até a “Ilha Anatólia”. Porém tinha sido tudo uma ilusão... Era um devaneio poder conhecer minha terra de nascimento. Com certeza eu não tinha usado meu “Amuleto do Destino” corretamente e não se pode escapar do destino. Por mais cruel que ele seja, podemos apenas adiar os contratempos. Eu pensei ainda no chão enquanto os cavaleiros de armaduras se aproximaram e apearam quase em cima de mim... O que parecia ser o líder falou enquanto eu tentava levantar-me:

- Fique parada intrusa!

Eu sorri aliviada, porque eles não sabiam quem eu era... Bem, foi o que eu pensei. O capuz cobria meu rosto, mas pela primeira vez eu senti temor... Se eu me revelasse, coisas ruins poderiam acontecer... Então pensei: 

“Como Jyann me confundiu com uma fada, talvez aqueles cavaleiros pudessem acreditar que eu fosse uma Elfa”... 

Retirei lentamente o capuz deixando minhas lãs douradas se derramarem sobre meu corpo e disse me levantando do chão:

= Não sou uma intrusa! Sou “Surya Links Ankhen” Princesa dos “Ljosalfr”!

- Uma elfa? Vamos leva-la aos nossos superiores.

= Não! Eu sou uma Princesa e estou na minha floresta.

- Então, voce é uma Princesa intrusa sim, porque a fronteira das terras dos “Ljosalfr” fica a cinquenta quilômetros daqui. Peguem-na! Vamos leva-la.

= Não se aproximem!

Eu disse sacando meu arco! Mas os cavaleiros ignoraram a ordem e avançaram contra mim. Mesmo sem nunca ter estado em uma batalha  eu agi rápido! E antes que eles pudessem fazer qualquer coisa, uma rajada de flechas atingiu os cinco cavaleiros...  Era a primeira vez que eu estava alvejando seres que não fossem bonecos de treinamentos, patos selvagens ou cervos... Meu coração estava acelerado... Minha respiração entrecortada, mas eu consegui alvejar a todos em pontos estratégicos para que ficassem debilitados e assim não fosse preciso mata-los para que eles não me seguissem. Enquanto os cavaleiros rolavam de dores eu corri para dentro da floresta seguindo o caminho que meu corcel fez. Após correr uns cem metros eu senti minha visão ficar embaçada aos poucos, mas continuei correndo e a dor na cabeça aumentou. Levei a mão à nuca e reparei que ficou molhada de um liquido quente... Desci a mão pelo colo e... Meu rosto pescoço e colo estavam lavados de sangue. A pancada havia aberto minha testa... Com a mão sobre a ferida continuei chamando por “Rocyfer”... Andei mais alguns minutos tateando pela floresta desconhecida e desfaleci.

Não sei quanto tempo depois abri os olhos lentamente... Minha visão ainda estava turva... Abri e fechei os olhos várias vezes, até que minha visão voltasse ao normal. Busquei por um lugar familiar e percebi apavorada que estava deitada sobre algo macio...  Remexi-me naquele leito inquieta tentando por as ideias em ordem e lembrei-me do ferimento na testa, conseguido com uma pancada na cabeça e minha desatenção sobre um cavalo em disparada. Quando levei a mão ao ferimento ouvi uma voz desconhecida gritar me assustando:

- Não mexa nisso!

= Quem está ai? Onde eu estou? Por favor.

Perguntei, e logo a seguir vi se aproximar uma sombra através da cortina que me separava de quem estava ali... Uma grande mão com longas garras negras puxou a cortina... Revelando um Elfo de pele escura, grossas lãs da cor do algodão, olhos vermelhos e uma cicatriz que ia da testa até o lábio inferior, passando por baixo de um tapa olho... A aparência do Elfo me encheu de temor... Principalmente porque eu estava nua e ele seminu. Ao ver que me assustou ele falou com um sorriso que parecia uma careta devido a cicatriz:

- Acalme-se criança! Não farei mal algum a voce. Cuidei do seu ferimento.

= Por que estou sem minhas vestes?

- Estavam fedendo de tanto sangue! Eu as lavei e estão secando.

= Obrigada! Por que voce fala de modo tão estranho senhor?

- A cicatriz dificulta as palavras. O meu nome é Onix. Sou o “curandeiro” da minha aldeia.

= Estou na sua aldeia?

- Sim está! Na minha morada a beira do rio.

= O que faço aqui? Eu estava procurando meu cavalo que disparou enquanto eu caí.

- Te encontrei desfalecida, ferida e sangrando muito e caída na mata, te trouxe e te curei. Voce é uma guerreira não é?

= Quem te fez essa cicatriz?

 Eu perguntei enquanto não sabia o que responder sobre mim, não sabia ainda se aquele Elfo era confiável.

- Foi um lobo! Há algumas luas, no tempo que eu caçava animais para vender na feira dos humanos. Eu estava com um lobo branco na mira dos meus dardos paralisantes; quando meu companheiro gritou sendo pego na própria armadilha... Além de me distrair do tiro certeiro, ele alertou o lobo que me atacou rasgando meu rosto.

= Mas voce é um elfo Não deveria estar caçando a menos que fosse para seu alimento. O “Grande Espírito” te castigou! E seu amigo se salvou?

- Sim! Ele conseguiu escapar da armadilha e me levou a um “curandeiro” humano que fez essa máscara em meu rosto... Desse dia em diante parei de caçar e resolvi usar meus Dons naturais e me tornei um “curandeiro” para que mais nenhum elfo ficasse deformado. Antes eu abominava ter que viver rastejando pelas matas caçando ervas.

= Mas esse Dom é um presente dos Deuses élficos! E os lobos brancos são sagrados.

- Como voce sabe tanto sobre os elfos e a floresta criança? Voce parece até uma Princesa dos humanos! É muito educada como a realeza.

Percebi que aquele elfo era alguém que merecia confiança e disse a ele muito orgulhosa:

= Sou a filha de Mothar Rei do povo “Ljosalfr”!

- Oh! Voce é o “Raio élfico”!

= Sou somente a filha de Mothar isso de “Raio Élfico” é exagero! Brincadeira entre os elfos devido a cor das minhas lãs. Obrigada por me curar senhor Onix!

- Por isso é tão educada! Voce é realmente uma Princesa.

Ele falou sorrindo enquanto examinava minhas bandagens... Eu tremi um pouco sem saber se aquela afirmação fosse por meu lado élfico ou por meu lado divindade... Eu sorri disfarçando e conclui:

= Meu pai e os elfos “Ljosalfr” me educaram muito bem! Tanto que eu nunca agrido a natureza! Coisa que voce deveria fazer também sendo um elfo.

- Ah criança! Existem muitas raças de elfos e nem todos se importam com a natureza. Veja o nosso exemplo. Somos “elfos negros”, e a  nossa característica corporal é muito parecida com a humana, e nós gostamos de nos misturar entre eles principalmente na taberna e em dias de festas na cidade deles. Gostamos de gozar da alegria humana.

= Como faz com suas orelhas para se misturar como disse? Pelo visto elas são bem grandes.

- Nós as colamos com visgo das árvores no couro da cabeça e também tingimos de escuras com sumo de frutos.

= Tudo isso revolta meu estômago!

Eu disse dando de ombros e o elfo concluiu:

- Isso porque voce não conhece a “Taberna dos irmãos Brume”. Um local onde todo tipo de ser vai para beber seu fermentado de cevada, uma bebida que não se assemelha em nada com o “Hidromel dos elfos”.

Eu engoli em seco! Como aquele ser podia ser um elfo! Após me acalmar um pouco, pois meu pai me ensinou a respeitar o agir do próximo. Eu pedi a Onix que me ajudasse a encontrar “Rocyfer” que além de meu cavalo ele era meu amigo, e deveria estar sentindo minha falta. Ele me perguntou como eu o perdi e eu contei sobre os cavaleiros de armadura e a pancada na cabeça. O Elfo arregalou os olhos vermelhos e disse:

- Soldados do Rei aqui? Isso não é bom!

Depois me contou que havia visto um jovem cavaleiro com um corcel com as características do “Rocyfer”. Pior! Disse que o tal jovem deveria estar na “Taberna dos Irmãos Brume”...  Mesmo tendo me assustado com a descrição da taberna, pedi a ele que me levasse lá. O Elfo prometeu que levaria, mas só na manhã seguinte. Depois me serviu um caldo quentinho e muito saboroso. Eu tomei e logo senti sono, ele me cobriu com uma pele de animal e eu adormeci.

Acordei bem cedo e depois de um desjejum Onix me levou à taberna. O céu estava totalmente cinzento, o estrondo dos trovões, incomodavam meus ouvidos sensíveis e a chuva desabou sem trégua. A ventania quase me arrastava, eu segurava firme meu manto para que o vento não me roubasse ele. Eu era uma Elfa! Meu coração era élfico! Meus ensinamentos eram élficos. E como uma elfa eu não temia a tempestade! Sabia que fazia parte da vida. Onix caminhava ao meu lado em silêncio carregando meu arco e aljava com flechas. Após andarmos bastante chegamos a uma clareira donde um caminho de terra nos levava a “Taberna dos Irmãos Brume”. Paramos diante de uma placa mal feita com algumas letras gasta com o nome do estabelecimento. Onix disse:

- Chegamos criança! Quer que eu entre com voce?

Eu queria que ele entrasse comigo... Nunca havia entrado em um local assim... Sem contar que tinha receio de que alguém descobrisse minha identidade verdadeira. Mallos havia recomendado cautela extrema... Eu respirei fundo e respondi tentando parecer calma:

= Não Onix! Voce já fez muito por mim obrigada!

- Está bem Criança! Então está entregue! Se precisar sabe onde me encontrar.

O “Elfo Negro” com um sorriso que parecia uma careta me entregou meu arco e aljava e foi embora... Olhei por alguns instantes ele sumindo no caminho de terra e depois entrei na taberna com passos firmes. O cheiro da tal bebida fermentada invadiu minhas narinas. Havia seres de todas as idades e tamanhos, afetados pela bebida cantando e batendo nas mesas. Procurei com os olhos pelo jovem que poderia estar com meu adorado “Rocyfer”. Enquanto eu passava os olhos por todo local, percebi alarmada que eu não sabia nem ao menos como era o jovem que estava procurando. Ele poderia estar na minha frente que eu não saberia...
Bufei de frustração porque eu deveria ter perguntado ao Elfo como ele era. Então pensei:

= “A maioria são de machos: entre humanos elfos e anões. Então preciso descobrir entre eles alguém jovem e perguntar se encontrou “Rocyfer”!” 

Meus olhos pousaram em um macho que parecia ser jovem, ele estava de costas para porta, tinha cabelos escuros, trajava uma armadura negra e ria alto com seus companheiros. Pensei em ir embora e esperar que ele saísse para abordá-lo. Mas ao contrário disso, me aproximei da mesa! Os machos que estava na mesa dele, pararam de falar assim que me viram... Ao ver seus camaradas em silêncio e olhando para frente o jovem se virou; a armadura dele estava repleta de bebida... Quando ele olhou-me eu me lembrei daqueles olhos esverdeados. Dessa vez a barba não estava por fazer. Ele disse sorrindo:

- Elfa! Voce aqui na taberna! Tragam uma bebida para a senhorita.

Eu disse que não bebia e sem rodeios depois de um breve cumprimento, perguntei por “Rocyfer”; ele começou a contar:

- Eu estava caçando na floresta perto da minha aldeia com meu grupo, Taulius estava em cima da árvore armando uma emboscada para um cervo. Estava tudo saindo como planejado, quando um cavalo em disparada carregando uma mochila e uma espada passou por nós afugentando o cervo. Taulius fez sinal para que um de nós fosse atrás do cavalo. Afinal poderíamos vendê-lo! Era um animal de rara beleza! Asthor pensando em ser o primeiro partiu na caçada ao corcel. Eu peguei meu cavalo e sai em perseguição do corcel também, porque o meu cavalo era o mais veloz entre os cavalos do grupo. É um cavalo selvagem laçado e domado por mim. Sentimos que o corcel estava cansado. Asthor se alegrou com isso e esporou o seu cavalo, eu passei a frente dele e pareei com o corcel. E por incrível que possa parecer, ao me ver ao seu lado, o corcel diminuiu a marcha... E relinchou para mim... Como eu estava pareado com ele, dei um salto e troquei de montaria, passando a cavalgar o corcel, e o meu cavalo nos acompanhou. Eu afagava as crinas do corcel para que ele sentisse carinho e resolvesse parar para descansar, mas ele continuou galopando até o precipício e saltou quase me matando do coração... Quando estávamos do outro lado ele parou. O pobrezinho estava muito cansado. Eu apeei e ele começou a esfregar a cabeça em mim. Foi quando me lembrei dele. Era o corcel que me encontrou ferido e foi buscar sua dona para me salvar. O corcel da bela Princesa elfa  que levou sua dona até mim por perceber que eu não era perigoso.

-= Não sou dona dele! Sou amiga! E não tenho certeza de que voce não seja perigoso! Onde está meu corcel?

- Que seja Elfa! Eu levei seu cavalo para minha aldeia. Ele estava protegido longe de olhares obscuros, mas resolveu ficar comigo. Foi escolha dele. Talvez ele soubesse que ficando comigo poderia te encontrar.  Sua espada e sua mochila estão em um local secreto na minha aldeia.

= Onde está “Rocyfer”?

- Está em um casebre na minha aldeia alimentado e descansado. É um lugar secreto aonde vou sempre que não estou em batalha para escrever as minhas aventuras.

= Suas aventuras?

- Sim Elfa! Mesmo que voce não creia. Nem mesmo depois de me ver fardado e com meus companheiros.

= Seus companheiros eram ébrios.

- Sim, mas pode dizer bêbados!

= Bêbados? O que quer dizer isso?

- Pessoas que bebem até cair. Mas fazemos isso, porque já não aguentamos mais lutar. Nossas armas já estão cegas e velhas, os escudos furados e nossa capacidade de discernimento são nenhuma. A bebida nos faz esquecer por algumas horas.

= Voce pode estar certo em algumas coisas que disse, eu não conheço sua guerra! Mas se suas capacidades são nenhuma, ficar ébrios apenas piora. Nos momentos de descanso, deveriam planejar com mais tranquilidade estratégias para tentarem ficar acima de seus inimigos. E não ficarem mais frágeis podendo levar perigo a sua tropa.

- Elfinha! Voce é tão jovem e pensa melhor que nós os soldados.

= Na minha tribo eu sou adulto! Tenho discernimento para estar em uma mesa redonda com os mais exímios soldados.

- Uau! Mas voce acredita agora que sou um soldado do Rei?

= Tudo bem! Acredito sim! Agora voce pode me levar até minha montaria? Preciso também da minha bolsa.

- Posso sim! Vamos comigo até minha aldeia, fica na “Ilha Anatólia”. Um dia daqui indo bem depressa.

- “Ilha... Anatólia”...? Bem... Eu...

- O que foi Elfa? Por que a “Ilha Anatólia” te assusta tanto?

= Me assusta? Por quê...  Voce pensa isso?

- Ora Elfa!  Voce pode ser muito inteligente, mas eu não sou idiota. Vamos!

= Tá...
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1 comentário:

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